O aumento no número de casos de febre amarela, principalmente em São Paulo, tem gerado pânico na população, que lota os postos de saúde em busca de vacina. Esse é mesmo o caminho correto a seguir (afinal, melhor se prevenir do que remediar)? Estamos diante de um surto? Temos que nos preocupar? A dificuldade no diagnóstico da doença tem provocado as mortes? Será que o vírus está mais mortal?
Abaixo a avaliação de dois especialistas –Claudio Maierovitch, sanitarista da Fiocruz de Brasília e ex-diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde; e Marcos Boulos, chefe da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde.
O vírus está mais letal?
O número crescente de mortes provocadas pela febre amarela alimenta a sensação do aumento da letalidade do vírus. Mas, segundo Boulos, trata-se apenas de uma “falsa sensação”. “Entre os casos graves da doença, a mortalidade histórica varia de 40% a 50%. E estamos dentro dessa média”, afirma o chefe da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde.
Segundo o último boletim epidemiológico do Estado, desde janeiro de 2017, foram confirmadas 21 mortes e 40 casos de infecções. As vítimas mortais contraíram o vírus em Américo Brasiliense, Amparo, Atibaia, Batatais, Itatiba, Jarinu, Mairiporã, Monte Alegre do Sul, Nazaré Paulista, Santa Lucia e São João da Boa Vista.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados 35 casos de febre amarela com 20 mortos [11 mortes em São Paulo, 7 em Minas Gerais, 1 no Rio de Janeiro e 1 no Distrito Federal]. Os dados, que se referem ao período de julho de 2017 até 14 de janeiro, apontam uma letalidade de 57%, mas que ainda é muito incerta diante dos 145 casos que permanecem investigação. No período, 290 suspeitas foram descartadas.
Boulos afirma, no entanto, que apenas 10% dos casos de febre amarela evoluem para o estágio mais grave da doença. “90% das pessoas contaminadas conseguem combater o vírus em até quatro dias e a maioria delas nem chega a ser diagnosticada. Ou seja, dentre os 40 casos de febre amarela notificados no Estado de São Paulo, pelo menos 400 pessoas tenham sido contaminadas.”
O peso das festas de final de ano
O aumento no número dos casos de febre amarela, de acordo com Boulos, está relacionado à chegada do vírus em centros urbanos. “Antes, estava restrito a áreas rurais afastadas, com uma circulação de pessoas muito pequena. Agora, está rodeando grande áreas, com uma concentração grande de pessoas”, disse.
Mas, segundo ele, o principal alvo desse surto não é os moradores dessas áreas de risco, mas os visitantes que, por descuido ou falta de informação, foram passar as festas de final de ano nessas regiões sem a devida imunização. “Considerando o tempo de incubação e manifestação do vírus, além do tempo de resposta da confirmação dos exames, as mortes começaram a vir à tona somente agora”, disse Boulos, que afirma acreditar que o número de casos e óbitos não tendem a aumentar tão expressivamente nos próximos dias.
Carnaval preocupa?
A preocupação, no entanto, está no Carnaval, como afirma o chefe da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde. “Esse é mais um período em que as áreas de risco acabam recebendo visitas. Mas parece que, dessa vez, os viajantes estarão mais atentos”, afirma Boulos.
Ciclo da febre amarela
Segundo Maierovitch, observando o comportamento do vírus da febre amarela nas últimas décadas, percebeu-se que a cada sete ou oito anos há um aumento de casos da doença no país. “Não há estudos que expliquem o porquê desse comportamento recorrente. Não se sabe se está relacionamento ao nascimento de macacos ou algum outro fenômeno ligado às matas”, afirma ele, que acrescenta ser difícil falar em um comportamento cíclico. “Isso é uma observação, mas não regra.”
O último surto da doença no país, por exemplo, foi registrado em 2017, o maior com número de casos em humanos desde 1980. De dezembro de 2016 a junho de 2017, foram confirmados 777 casos e 261 mortes pela doença no país. Em setembro, o governo federal deu esse surto como encerrado, já que o último caso da doença tinha sido registrado em junho.
“Ou estamos vivendo o prolongamento dos ciclos e esse surto ainda é resquício da epidemia de 2017. Ou esses novos casos representam o início de uma endemia, ou seja, que a partir de agora teremos que conviver continuadamente com o vírus da febre amarela”, afirma Boulos.
Sim, é um surto
Tanto Boulos como Maierovitch classificam a atual situação como um surto. “Um surto nada mais é do que o aumento no número de infecções de uma doença e é o que estamos vivendo com a febre amarela”, diz o membro da Secretaria Estadual de Saúde.
O grande temor, como afirma Maierovitch, é que esse novo surto dê início à transmissão urbana do vírus, algo que não acontece no país desde 1942. “Esse seria um cenário catastrófico, mas pouco provável”, diz o especialista, que aponta a eficácia da vacina para o bloqueio da propagação do vírus. Ele lembra, no entanto, a importância do SUS (Sistema Único de Saúde) para um bom combate da doença.
“E nós temos um cenário orçamentário que pode afetar significativamente a atuação do sistema no combate dessa e de outras epidemias que são frequentes no verão, tais como a dengue e a zika. Não estamos falando apenas da vacinação e do tratamento dos infectados, mas também do trabalho preventivo”, afirma ele.
Não se desespere
Apesar do aumento dos casos de febre amarela no país, a corrida pela vacina fora das regiões de risco seria descabida. “Mostra o total desconhecimento da população sobre a doença, que é silvestre. Ou seja, é um risco apenas para quem mora ou trabalha em área de mata”, afirma Maierovitch. “Antigamente, as pessoas achavam que só tinha que ser imunizado quem fosse para o meio da mata da Amazônia. Mas, agora houve uma inversão. Até quem mora no centro de São Paulo ou na zona sul do Rio acha que precisa se vacinar.”
Para Boulos, as pessoas que entram nas filas dos postos de saúde sem necessidade são “egoístas”. “É uma falta de solidariedade e humanidade, até porque pode estar dificultando a vida daqueles que realmente precisam ser imunizados”, diz ele, que acrescenta que uma “vacina contra o medo” resolveria grande parte dos problemas atuais. “Sem contar que aqueles que tomam a vacina sem necessidade estão se expondo a um risco [os efeitos colaterais] à toa”, afirma.
As reações adversas à vacina –como dores no corpo, dores de cabeça e febre– afetam entre 2% e 5% dos vacinados nos primeiros dias após a imunização. As mortes, embora ainda mais raras, também são possíveis. Segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), esses casos ocorrem em um em cada 400 mil doses aplicadas.
Diagnóstico é difícil, mas não impulsiona mortes
Tem sido comum ouvir dos parentes das vítimas fatais da febre amarela que o diagnóstico da doença foi tardio, que a contaminação do vírus só foi descoberta poucos dias antes da morte.
“Isso porque os primeiros sintomas da doença –febre, dor de cabeça, fraqueza, vômitos, dores musculares [principalmente nas costas] e dores nas articulações– são comuns a qualquer doença viral. Só quando ela evolui para um quadro mais avançado –quando a pele começa a ficar amarela– é que fica mais fácil de ser detectada”, afirma Boulos.
Em artigo no jornal “Folha de S.Paulo”, a jornalista Cláudia Collucci diz que “ainda que muitos médicos digam que, no estágio inicial, dengue e febre amarela podem ser confundidas por apresentar sintomas semelhantes e que o diagnóstico correto não mudaria o curso da doença, isso é controverso”.
Mas, como destaca Maierovitch, a confirmação do diagnóstico, não tem valor para o tratamento. “Isso porque não existe tratamento específico para a febre amarela, tratam-se apenas os seus sintomas”, diz ele, que acrescenta que a notificação dos casos é importante para o acompanhamento da epidemia, bem como para adoção das medidas preventivas.
Fonte: Uol