O mercado financeiro vem tentando, nas últimas semanas, calcular os impactos econômicos do novo coronavírus. As perspectivas para o crescimento global estão sendo revistas para baixo e o Brasil, que mal saiu da última recessão, está ameaçado de mergulhar novamente no campo do PIB (Produto Interno Bruto) negativo.
“O desemprego vai explodir. Nessa estrategia de isolamento geral as empresas não vão ter dinheiro para pagar salário, consequentemente vão ter que demitir seus trabalhadores”, afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.
A taxa de desemprego vinha caindo lentamente nos últimos meses e chegou a 11,2% no trimestre encerrado em janeiro, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os economistas esperavam que ela continuaria em queda com a economia voltando a crescer em um ritmo mais forte.
Mas o coronavírus trouxe muita incerteza e virou de cabeça para baixo o quadro que se esperava para o mercado de trabalho. A dúvida é sobre qual será o tamanho do desemprego e quando será o pior período.
Esses profissionais representam 40,7% da força de trabalho ocupada no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, quase metade dos trabalhadores do país se veem hoje na berlinda com a quarentena que vem sendo implementada em diversas cidades do país. E o pior: sem data para acabar.
Março, abril e maio devem ser os meses com mais demissões de trabalhadores com carteira assinada, com o fechamento do comércio e dos serviços, segundo Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria.
Ele projeta que a taxa de desemprego atingirá seu ápice em junho, quando subirá para 13,5%, e terminará o ano em 12,9%. Ou seja, segundo suas expectativas, o Brasil terá 14,5 milhões de desempregados em junho e 13,8 milhões em dezembro.
“A interrupção da atividade econômica mais forte será nos próximos 75 dias. O desemprego vai aumentar nesse período e vai recuar em seguida, quando a economia começar a voltar à normalidade. Mas se tivermos um período de restrição de circulação maior, o desemprego se estenderá mais”, diz.
Para Alexandre Almeida , analista de economia da CM Capital, o nível de desemprego deve acelerar para o patamar de 16%, também com picos medidos em junho.
Para Jensen, no pior cenário, a taxa de desemprego chegaria a 19% e o país teria 20 milhões de desempregados em algum momento deste ano, provavelmente entre julho e setembro.
Camargo, da Genial, projeta um número semelhante em seu cenário mais pessimista para o ano, com taxa de desemprego de 18%.
“A evolução da atividade vai depender fundamentalmente da duração da política pública de confinamento”, afirma Camargo.
O cenário pessimista de Camargo leva em consideração a evolução da curva de infectados pelo novo coronavírus no Brasil de forma mais extrema do que a média europeia.
“Esse é um caso extremo onde o número total de infectados chega ao redor de 10 milhões de pessoas“, destaca Camargo.
Nesta projeção, a atividade seria retomada lentamente a partir de junho, mas com a perda de capacidade de produção devido a muitas falências. A situação seria de perda permanente de produto e menor PIB potencial devido à destruição de capital físico e menor emprego de capital humano.
“20% de desemprego não seria nada surpreendente. Se essa situação durar dois, três, quatro meses, será extremamente complicado”, acrescenta Camargo. Ou seja, um a cada cinco brasileiros estaria em busca de um trabalho sem sucesso.
No cenário base, que Camargo considera mais provável de se concretizar, a taxa de desemprego iria para 14,3%. Esse cenário supõe que a evolução da doença no Brasil seguirá uma trajetória semelhante à média observada na Europa.
A LCA Consultores também trabalha com dois cenários para o mercado de trabalho: um que é base, se a crise andar como se espera que ela ande hoje, e outro pior, se a crise se aprofundar além do que se espera.
No cenário base, o Brasil fecharia 1 milhão de postos de trabalho em 2020 e chegaria em dezembro de 2020 com taxa de desemprego de 11,5% e 12,3 milhões de desempregados.
“Nesse cenário mais provável, a economia sofreria um forte impacto no segundo e no terceiro trimestre, mas depois o crescimento seria retomado e a economia voltaria a girar no mesmo ritmo que vinha antes”, diz Cosmo Donato, economista da LCA Consultores.
Já no pior cenário, o Brasil fecharia 15 milhões de postos de trabalho em 2020 e chegaria em dezembro de 2020 com taxa de desemprego de 25,7% e 27,5 milhões de desempregados.
“Nesse cenário menos provável, haveria um cenário global de perda de confiança que geraria efeitos prolongados. Mesmo depois que as pessoas voltassem a circular normalmente, as pessoas não gastariam como antes e não reabririam negócios”, explica Donato. Mas ele destaca que esse segundo cenário é improvável.
A perda da esperança
O primeiro sinal de piora no mercado de trabalho virá do aumento da taxa de desalento – aquelas pessoas que não buscaram trabalho nos últimos 30 dias por ter “desistido” após muito procurar -, segundo Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE.
No último trimestre até janeiro, dado mais recente do IBGE, a taxa de desalento era de 4,2%.
“Nos próximos dois trimestres muito provavelmente a taxa de desemprego não vai crescer muito. Para entrar na taxa de desemprego tem que estar procurando emprego. As pessoas não vão sair para buscar emprego nesse período, então vai aumentar o desalento”, diz Duque.
Os setores mais e menos afetados
Pela restrição das pessoas nas ruas, comércio e serviços serão os setores que mais devem ter desemprego, especialmente o turismo (companhias aéreas, hotéis, bares e restaurantes), segundo especialistas.
A indústria também sofre o impacto da pandemia, mas pode conter demissões colocando os trabalhadores em férias coletivas ou reduzindo a carga horária de trabalho.
Na outra ponta, os setores que se beneficiam em um primeiro momento com a crise são supermercados e as empresas farmacêuticas em geral, que produzem sabão, produtos de limpeza, álcool etc. Essas companhias podem até aumentar a contratação de pessoas.
O sistema de saúde, os serviços de entregas e o setor financeiro, com mais empresas e pessoas precisando de empréstimos, também podem se dar bem.
No entanto, se o país caminhasse para o pior cenário, ou seja, se a crise se prolongasse por mais tempo do que se espera hoje, a queda na demanda e na diminuição da renda também afetaria esses setores que inicialmente se deram bem na crise.
Para o analista da CM Capital, os setores mais resilientes são aqueles que podem ser exercidos à distância, em home office.
“Todos os tipos de trabalho que têm como insumo internet e computador têm base para esse tipo de adaptação”, avalia Alexandre Almeida.
O Brasil em relação ao mundo
Em Israel, a taxa de desemprego quadruplicou e chegou a 18% após a quarentena para conter o avanço do novo coronavírus, de acordo com dados oficiais divulgados pelo jornal “Financial Times”.
Segundo a publicação, 60 mil pessoas entraram com pedidos de seguro-desemprego no domingo (22). Desde fevereiro, o número de solicitações feitas chegou a quase 600 mil. Antes da crise, apenas 4% da população estava sem trabalho.
Na Noruega, a taxa de desemprego subiu para 10,4% ante de 5,3% na semana passada e de 2,3% no fim de fevereiro, segundo o Ministério do Trabalho e Bem Estar Social do país.
É a maior taxa de desemprego no país desde a Segunda Guerra Mundial, em meio à onda de demissões provocadas pela paralisação da atividade para conter a pandemia da covid-19.
Nos Estados Unidos, 3,28 milhões de trabalhadores solicitaram seguro-desemprego na semana encerrada em 21 de março. O número semanal superou o recorde anterior de 695 mil, estabelecido em outubro de 1982.
Jensen, da 4E Consultoria, diz que o mercado de trabalho de outros países vai sofrer mais que o do Brasil porque as leis trabalhistas no país são bastante rígidas e demitir um funcionário custa caro.
“As empresas não demitem pensando em recontratar em dois, três, quatro meses”, diz. A não ser que exista alguma medida que flexibilize as regras”, explica.
As medidas do governo para conter o desemprego
Na tentativa de conter a deterioração do mercado de trabalho, o governo federal já anunciou uma série de medidas para, na teoria, preservar o emprego e a renda.
O ponto mais controverso, que gerou críticas e poderia ser derrubado pela Justiça, era aquele que previa a suspensão do contrato de trabalho e do salário por até quatro meses. Mas o presidente Jair Bolsonaro disse que iria revogá-lo. No Diário Oficial da União, a revogação foi oficializada. No entanto, algo similar ainda poderá ser sugerido pelo Executivo num futuro próximo.
Entre as mudanças mantidas na Medida Provisória (MP) 927 estão possibilidade de teletrabalho, antecipação de férias, concessão de férias coletivas e uso de banco de horas.
Trabalhadores informais tambémpoderão receber um auxílio mensal de R$ 600 por um período de três meses, e mães chefes de família, de R$ 1.200, apelidado pelo próprio governo de “coronavoucher”. Novas medidas para tentar amenizar o desemprego ainda estão por vir.
Para Camargo, da Genial, os esforços do governo podem ser em vão.
“Não depende do que a equipe econômica faça. O problema não é o custo do trabalho. O problema é que não tem trabalho, a dificuldade será gerar trabalho“, diz Camargo.
Na avaliação de Jensen, da 4E Consultoria, as medidas que foram e que ainda serão anunciadas pelo governopodem, sim, suavizar os impactos da crise no mercado de trabalho. No entanto, ele acredita que ainda falta uma medida importante.
“O mercado de trabalho e a sociedade como um todo gostariam de ver a redução do salários do setor público. É uma medida de impacto fiscal pequeno, mas serve de sinalização de que medidas mais amplas são necessárias. É importante que não só a iniciativa privada banque isso”, diz.
Na visão de Donato, da LCA Consultores, medidas que criem espaço de negociação para reduzir jornadas de trabalho ou salários podem contribuir para redução do desemprego.
“Embora o impacto na renda seja bastante ruim, essas medidas aumentam a confiança dos empresários e fazem com que eles não se antecipem demitindo funcionários”, diz.
No entanto, Donato critica a suspensão do contrato de trabalho e do salário por até quatro meses que o governo tentou implementar.
“Isso gera um incentivo para empresários demitirem pessoas como precaução, joga todo o custo no trabalhador e poderia gerar ainda mais desemprego. É importante que as medidas sejam anunciadas gradativamente, à medida que o cenário for se tornando mais adverso, e que equilibrem os lados do empregador e do trabalhador”, diz Donato.