O anúncio de corte de produção, investimentos e adiamento dos dividendos pela Petrobras é apenas um reflexo do que já vinha acontecendo na cadeia de petróleo e gás nas últimas semanas. Com a crise do novo coronavírus, fornecedores estão praticamente parados e o risco maior reside entre as empresas de menor porte, que não têm fôlego financeiro nem acesso a crédito para atravessar esse período de turbulências, sem data para acabar.
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, destacou no início da tarde desta quinta-feira, 26, que esta é a “pior crise da indústria do petróleo nos últimos 100 anos”.
Embora as plataformas de produção em alto-mar (pré-sal e águas profundas) continuem operando normalmente, a companhia anunciou a redução em 100 mil barris por dia dos volumes produzidos em águas rasas.
“Temos que estar preparados para o pior cenário. Não se trata só do colapso dos preços. Nosso valor de mercado caiu muito, a demanda no Brasil está em queda e os Estados Unidos podem entrar em recessão”, destacou Castello Branco.
A guerra de preços entre russos e sauditas, os maiores produtores do mundo, também contribuiu para aprofundar ainda mais a crise global de demanda. Com a aceleração da produção e exportações dos dois países, os preços estão na casa dos 25 dólares.
Com isso, o ponto de equilíbrio de produção (breakeven) da Petrobras está próximo do limite. Segundo a estatal, no pré-sal esse valor é de 21 dólares por barril. Mas uma boa parte da produção ainda tem custo mais elevado.
Para enfrentar este cenário, a petroleira anunciou também uma redução dos investimentos programados para 2020, de 12 bilhões de dólares para 8,5 bilhões.
Na avaliação de Rivaldo Moreira Neto, presidente da Gas Energy consultoria especializada, o corte de investimentos é uma medida que todos os pares da Petrobras estão tomando para enfrentar a situação atual. “Os cortes de investimentos devem se concentrar principalmente nos projetos de médio e longo prazo.”
Diante deste cenário, a viabilidade de novos projetos pode ficar comprometida. As medidas anunciadas hoje são desdobramentos de operações que já estão paradas no país.
De acordo com Marco Gonçalves, gerente de contas estratégicas de óleo & gás da Fluke do Brasil, empresa de instrumentos de medição, o setor vinha de um primeiro trimestre muito bom, mas com o coronavírus tudo mudou. “Os pedidos na indústria não estão acontecendo. Nos próximos meses, as empresas do setor vão ter problemas sérios de caixa, mas a situação vai ser pior ainda para as de menor porte.”
Segundo o executivo, a paralisação dos negócios na cadeia deve trazer reflexos de curto e médio prazo. “As empresas não estão tomando decisões neste momento. Novos investimentos devem ser adiados em pelo menos um ano”, acrescenta.
Paralisação
O giro da cadeia de fornecedores deve recuar ainda mais com os anúncios desta quinta-feira pela Petrobras. “Projetávamos que, em 2021, a produção de petróleo no país estaria a todo vapor. Estávamos muito confiantes para este ano, mas agora parou tudo”, afirma Leonardo Dias Ferreira, sócio do condomínio industrial Bellavista, que só abriga empresas ligadas ao setor em Macaé, Rio de Janeiro.
A situação na cidade, conhecida como “capital nacional do petróleo”, se tornou ainda mais crítica depois de um decreto municipal que promoveu várias restrições de atividades e circulação. “Como Macaé é um polo para toda a cadeia de óleo e gás, outras cidades também serão fortemente afetadas por essas restrições, como Angra dos Reis, Campos de Goytacazes e a capital”, acrescenta Ferreira.
Conforme apurou a reportagem da EXAME, a crise do novo coronavírus não vai impedir que plataformas de produção que estão chegando ao Brasil (Rio de Janeiro) sejam nacionalizadas – ou tropicalizadas, no jargão do setor – mas certamente novos pedidos vão ficar em espera.
Com a paralisação de operações previstas pela Petrobras, outras operadoras podem adotar a mesma postura. Assim, não só fornecedores de produtos e serviços ligados a petróleo e gás serão afetados. Os afetados pela crise vão desde a rede de restaurantes e hotéis das cidades produtoras até empresas de pequeno porte, como as que transportam funcionários e as que fornecem refeições, uma vez que o administrativo das operadoras estão em home office.
A perspectiva não é positiva para o curto prazo. “Estamos vivendo um momento de grandes incertezas. Não conseguimos enxergar quase nada. Estamos estudando uma revisão completa do nosso planejamento, incluindo projetos”, diz Castello Branco.
Funcionários
De acordo com Tadeu Porto, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), a Petrobras adotou medidas para tentar evitar a propagação do novo coronavírus entre os funcionários. A primeira delas é a mudança de escala, para 14 dias de trabalho seguidos de 28 de descanso. “Isso não garante que os funcionários não vão pegar o coronavírus fora das plataformas.”
Para embarcar, os procedimentos também mudaram, conforme o dirigente: quarentena de sete dias em um hotel e posterior transporte por meio de vans até um heliponto central, de onde embarcam para as plataformas, em viagens que demoram até uma hora e meia.
“Fizemos inúmeros pleitos para a companhia, pois não achamos esse período de quarentena suficiente para evitar a contaminação do vírus. Além disso, o contato entre pessoas no transporte das vans, helicópteros e o trabalho dentro das plataformas continua.”
Procurada, a Petrobras informou que não poderia comentar o assunto.