País alcança a marca em meio à disseminação de novas variantes, escassez de sequenciamento genético, sem rastreamento de contatos e com uma política de isolamento para ‘enxugar gelo’.
Prestes a completar um ano de pandemia, o Brasil ultrapassa a marca de 250 mil mortes devido à Covid-19, segundo boletim extra do consórcio de veículos de imprensa divulgado nesta quarta-feira (24). Foram 1.390 mortes registradas até 18h18, 250.036 óbitos desde o começo da pandemia, o que fez o país atingir essa marca história de óbitos pela doença.
Foram 22 estados e o Distrito Federal que divulgaram dados até 18h18: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio de janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe São Paulo e Tocantins.
Esse número mortes é atingido em meio a uma vacinação sem campanha e com novas variantes circulando. Especialistas apontam um ritmo acelerado de transmissão e de mortes, consequência da falta de medidas de isolamento e de restrições impostas pelo estado.
As primeiras 50 mil mortes demoraram 100 dias – entre 12 de março e 20 de junho do ano passado. Entre a marca de 200 mil, em 7 de janeiro deste ano, e a de 250 mil, nesta quarta-feira (24), foram 48 dias. O ritmo das mortes deve continuar acelerando. O país pode atingir 300 mil mortes ainda no mês de março.
“Desde 22 de dezembro, a média móvel de mortes, com algumas flutuações, é maior do que a primeira onda. Quer saber quando vamos chegar a 300 mil? Vamos chegar no final de março ou início de abril. Isso é aritmética simples. Estamos acima de 1 mil mortes por dia” – Domingos Alves, pesquisador da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
‘Enxugar gelo’
Há um consenso entre epidemiologistas, médicos e virologistas de que as medidas de isolamento do Brasil não são suficientes, sendo a ausência delas o principal fator para altas taxas de transmissão e mortes. Nesta quarta-feira, por exemplo, o estado de São Paulo determinou a restrição de circulação das 23h às 5h. Para Ethel Maciel, pós-doutora em epidemiologia, é “melhor que nada”, mas está longe de ser uma medida eficaz.
“O problema é que estamos com pouquíssimas medidas de restrição. Restringir de 23h às 5h é melhor que nada, mas é muito ruim. As pessoas andam em transporte coletivo lotado, entram em outros lugares sem nenhum controle”, disse.
Entre os erros cometidos pelo estado que acarretaram a marca de 250 mil mortes, Maciel lista:
demora para fechar as fronteiras;
implementação ineficaz – quase nula – de barreiras sanitárias;
política inexistente de testes e rastreamento de contatos e de assintomáticos;
queda na taxa de testagem; e
falta de liderança e incentivo ao isolamento por parte do presidente, governadores e prefeitos.
Já Alves resumiu essas medidas – na verdade, a ausência delas – com uma expressão: toda a política nacional é de “enxugar gelo”. Segundo ele, cientistas avisaram sobre uma nova alta nos casos e mortes com dois meses de antecedência, em setembro do ano passado. Em novembro, com a alta no número de casos, o ministro da Saúde Eduardo Pazuello descartou o início de uma segunda onda e preferiu chamar de “repique”.
“Quando a pandemia estava na Itália ainda, a gente achou que não chegaria no Brasil. Aí começou a segunda onda na Europa e o governo disse que não tinha retornado no Brasil. É falta de competência”, avaliou Maciel.
Outro fator que pode impulsionar as transmissões é a chegada de novas variantes do Sars CoV-2. Nesta terça-feira (23), o Ministério da Saúde divulgou que rastreou 204 casos de pacientes infectados com as variantes do Reino Unido e do Brasil, inicialmente detectada no Amazonas. Ainda não há uma confirmação definitiva de que as mutações deixam o vírus mais transmissível, mas é uma possibilidade que está sendo investigada pelos cientistas e que causa preocupação.
Existem, no entanto, três centros de sequenciamento do vírus que enviam informações para o ministério: Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Adolfo Lutz e Instituto Evandro Chagas. Outros laboratórios públicos e privados também têm feito a análise do material, mas não existe uma centralização dos resultados. No final, o país não tem noção da real disseminação das novas variantes, nem se elas já são dominantes.