Apesar do assunto não ser local e nem afetar o dia a dia do ararense, alguns vereadores de Araras se engajaram em reiterar repúdio a uma exposição ocorrida na cidade de Porto Alegre/RS. Chamada de ‘Queermuseu’, a exposição polemizou nas redes sociais depois de ser cancelada pelo Santander Cultural, no início de setembro, após críticas de movimentos religiosos e do MBL (Movimento Brasil Livre).
A exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte da brasileira” reuniu obras de 85 artistas, incluindo os mundialmente conhecidos Alfredo Volpi e Cândido Portinari, no museu de Porto Alegre.
O tema central era a diversidade e as questões LGBT, e segundo a Revista Veja segue os moldes de exposições estrangeiras como a Queer British Art (1861-1967), em Londres, na Inglaterra, e a Hide/Seek: Difference and Desire in American Portraiture, em Washington, nos Estados Unidos.
A mostra foi cancelada um mês antes do previsto justamente quando movimentos apontaram que a exposição fazia apologia à pedofilia e zoofilia. Os movimentos também fizeram campanhas virtuais para que os correntistas do Banco Santander, que mantém o centro, cancelassem suas contas como forma de boicote.
“Referente a lamentável exposição do ‘Queermuseu’ na cidade de Porto Alegre, com patrocínio do Banco Santander. Considerando que desde o início do século 20, quando intencionalmente o artista Marcel Duchamp expôs um urinol como obra de arte numa galeria, a arte passou a ser qualquer coisa que o “artista” diga ser. E quem discordar só pode ser um ignorante um reacionário intolerante”, ponderou o vereador Marcelo de Oliveira (PRB) ao criticar a exposição.
Marcelo defendeu que “indiferente à premissa acima citada, felizmente constatamos a onda de protestos nas redes sociais contra a exposição” e ainda chamou, na moção, a exposição de “pretenso evento cultural, que afronta a maioria esmagadora da sociedade brasileira”.
O edil relembrou que houve acusação de censura sobre a retirada e respondeu a quem chamou de “pretensos críticos de arte”. “Em reposta a estes, e ao contrário do que afirmam, o que houve não foi censura, mas sim o boicote de grande parte da população que exerceu seu legítimo direito constitucional de protestar e de indignar-se, levando o Banco Santander a pôr fim nesta lamentável exposição Queermuseu”.
Marcelo citou que “muitas das obras ali expostas constituem-se em afronta aos símbolos religiosos, além de retratarem cenas degradantes de zoofilia e pedofilia”. Ele ainda reforçou que “a malfadada exposição foi patrocinada pelo Banco Santander” e lembrou que a exposição teria utilização de recursos da Lei Rouanet na ordem de R$ 800 mil – vale lembrar, porém, que o Santander abriu mão do benefício de renúncia fiscal usado para custear a mostra. O próprio vereador, depois, disse que “apesar da disposição do Banco em devolver os recursos públicos para promover este evento revela seu arrependimento, infelizmente tal arrependimento foi ineficaz uma vez que o mal já havia sido perpetrado”.
Com o aval de todos os demais vereadores, a Câmara encaminhou então a moção de repúdio “à malsinada iniciativa do Banco Santander em promover com recursos da Lei Rouanet a exposição: Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”.
O vereador ainda defendeu que o evento “causou indignação à sociedade brasileira ao afrontar símbolos religiosos, além de retratarem cenas degradantes de zoofilia e pedofilia. Há cerca de 20 dias o MPF (Ministério Público Federal) recomendou a reabertura da exposição e ainda ponderou que “as obras que trouxeram maior revolta em postagens nas redes sociais não têm qualquer apologia ou incentivo à pedofilia, conforme manifestação pública – divulgada por diversos meios de comunicação – dos promotores de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul com atribuição na garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes que estiveram visitando as obras”.
A moção da Câmara de Araras foi enviada ao Banco Santander, à Febraban (Federação Brasileira de Bancos); ao Ministério da Cultura, ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados.
“Pessoas falam de arte sem nem saber”
Um dos expoentes da arte em Araras, o ator, diretor e produtor Daniel Pereira entende que há outros interesses por detrás dos questionamentos sobre “o que é arte”. Ele reforçou que não há qualquer indício de pedofilia ou zoofilia na exposição. Ainda assim pontuou que a própria exposição, feita em local fechado, continha avisos sobre o conteúdo exposto.
Daniel ainda ponderou que a arte nem sempre é feita de modo que agrade a todos. “A gente faz arte não para agradar e sim para questionar” lembrou, apontando que não havia qualquer apologia a pedofilia por exemplo, e sim gravuras sobre diversas temáticas para trazer assuntos à tona.
Daniel ainda lembrou que “a classe artística, com a crise, é uma das mais afetadas e das mais suscetíveis”, sendo alvo desse tipo de manifestação. “Ninguém se incomoda com o nu no carnaval”, relembrou o artista, que lembrou: quem frequenta os museus sabe o que vai encontrar nesse tipo de exposição. “Pessoas falam o que é arte sem saber”, pondera o artista, lembrando que muitos estudam o tema profundamente. “Estamos voltando à época da censura”, questiona Daniel.
Obras não são novas
Apesar dos questionamentos sobre a exposição, muitas das obras que causaram polêmica na exposição não são novas e já haviam sido expostas noutros museus anteriormente. Numa delas Jesus é retratado exatamente como todos estão acostumados: crucificado. Porém possui inúmeros braços porque foi representado, como diz o título da obra, Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva, “em um sincretismo com a divindade hindu. A obra em acrílico, do porto-alegrense Fernando Baril, é de 1996”, segundo a Revista Veja.
A obra que mais rendeu polêmicas é datada de 1994. Com 1,2 metro de altura por 1 metro de largura, Cenas de Interior II (acima), pintada por Adriana Varejão em 1994, apresenta marcas que lembram um pergaminho guardado por seus segredos. “As cenas onde dois homens se relacionam com uma cabra e dois brancos se relacionam com um negro foram ‘inspiradas em histórias de iniciação sexual que a artista escutou em Alagoas’, escreveu Adriano Pedrosa no catálogo de uma exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde a obra foi exposta em 2013. “Varejão é leitora de Gilberto Freyre e de suas histórias sobre libertinagem na colonização portuguesa no Brasil”, aponta Pedrosa no material. “Não estamos nem na casa-grande nem na senzala, mas num recinto chinês”, situa o texto publicado também pela Veja.
Fonte: Tribuna do Povo